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OUTRO ÂNGULO

O JOGO DA VIDA

Ser mulher no desporto é estar entre dois mundos. É cronometrar os segundos numa pista e contar as horas longe de casa. É carregar medalhas no peito e, às vezes, uma criança nos braços. É ouvir o apito do árbitro e ao mesmo tempo escutar o choro do filho, que sente saudades. Para muitas mulheres, ser atleta não é apenas um sonho, mas sim um duelo entre paixão e renúncia, entre glória e culpa.

A cada treino intenso, a cada queda e a cada volta à pista, há uma batalha invisível que é travada. O corpo exausto pela maratona diária de ser mulher e atleta, as dúvidas que pesam no coração. Será que estou a fazer o suficiente? Será que um dia o meu filho vai entender a minha ausência? O desporto exige disciplina, a “casa” exige entrega absoluta. Mas quem disse que uma mulher não pode ser ambas as coisas?

Infelizmente, o mundo ainda insiste em erguer barreiras onde deveria haver incentivos. O desporto moçambicano ainda não soube acolher as suas atletas como deveria. Onde está o respeito pelo tempo que o corpo precisa para se refazer depois de gerar uma vida?

Ainda assim, elas seguem. Mulheres que, contra todas as probabilidades, não desistem. Reinventam-se, equilibram-se e desafiam o tempo e a lógica. Se o mundo não abre espaço, elas o criam. Se as portas se fecham, elas forçam novas passagens, porque o desporto não é só força, é também persistência.

Elas levantam-se antes do sol e voltam para casa quando a “cidade já dorme”. Enfrentam o frio das manhãs e o calor sufocante das tardes, a exaustão que ninguém vê. E mesmo quando caem, levantam-se de novo. Porque sabem que desistir não é uma opção. Porque cada corrida, cada golo e cada ponto marcado é uma mensagem para o mundo, “nós estamos aqui. Nós pertencemos a este lugar”.

O desporto feminino em Moçambique deve ser mais do que resistência, tem de ser uma escolha possível, um caminho onde o talento não tenha de se justificar.

Há mulheres que deram pausa na carreira para se dedicarem à família. Outras encontraram maneiras de equilibrar os dois papéis, reinventando-se dentro e fora do campo. Mas a verdade é que muitas ainda enfrentam um sistema que não as apoia. A falta de licença-maternidade adaptada à realidade desportiva, o acesso limitado a creches nos centros de treino e a pressão para retomar a forma física rapidamente são obstáculos que, muitas vezes, fazem com que talentos precoces abandonem o desporto antes da hora.

Apesar das dificuldades, o futuro do desporto feminino em Moçambique ainda pode ser brilhante. Com mais investimentos e um olhar atento para as necessidades das atletas, o país pode formar uma nova geração de mulheres que competem sem medo, sem limitações impostas pelo género. Mais infra-estruturas, mais treinadores capacitados, mais visibilidade nos “media” e patrocínios justos são passos essenciais para garantir que as mulheres no desporto tenham as mesmas oportunidades que os homens.

Para isso, é preciso que a sociedade moçambicana abrace essa causa, valorizando o papel da mulher no desporto e incentivando meninas a seguirem os seus sonhos. Que os campos, pistas, os ringues e as quadras sejam lugares de oportunidades, e não de obstáculos. Que o talento seja sempre maior do que as barreiras.

O Dia da Mulher Moçambicana é mais do que uma data comemorativa. É um lembrete da força, da determinação e da luta contínua por um espaço e reconhecimento. No desporto, essa batalha é diária, mas cada vitória, cada medalha e cada golo marcado representam um passo rumo a um futuro mais justo para as atletas moçambicanas.

Que as histórias de luta e superação inspirem uma nova geração de meninas a calçar as chuteiras, a vestir os calções, a entrar nos ginásios com coragem e a desafiar o mundo com a certeza de que o desporto também lhes pertence. Porque, no fim, a verdadeira vitória não está apenas no pódio, mas na transformação de cada obstáculo em um novo ponto de partida.

O Dia da Mulher Moçambicana deve ser um compromisso. Um compromisso com aquelas que correm contra o vento, que saltam obstáculos visíveis e invisíveis e que marcam golos contra as expectativas. O talento das nossas atletas não pode ser bloqueado pelo peso da desigualdade. Elas merecem incentivo, visibilidade e respeito.

Que a sociedade compreenda que uma mulher no desporto não está a desafiar normas, mas sim a reivindicar um direito que sempre foi seu. Que cada aplauso não seja apenas por uma vitória momentânea, mas pelo reconhecimento da luta constante. Que os nomes das nossas atletas não sejam esquecidos quando as luzes se apagarem, mas ecoem como inspiração para as gerações que virão.

Porque a maior vitória não está apenas no pódio, mas na certeza de que ninguém poderá dizer-lhes que não é possível.

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Foi fundado no dia 24 de Junho de 1987 como presente da Sociedade do Notícias aos desportistas por ocasião dos 12 anos de Independência Nacional, que se assinalaram nesse mesmo ano.