São as mais improváveis pugilistas que o boxe conheceu. Há dez anos, ninguém imaginaria que aquelas duas amigas, de feições dóceis e meigas, estariam a combater ao mais alto nível. O campeonato do mundo ou os jogos olímpicos.
O único que se apercebeu do talento e das potencialidades daquelas jovens, esquivas e arredias, foi Lucas Sinóia. Teimoso e insistente, primeiro conseguiu levar Alcinda para treinar, seguindo-se depois Rady.
Rady andava desgostosa com o seu corpo. Achava que tinha peso a mais (até tinha, andava acima dos 100 quilos) então aceitou a garantia de Sinóia de que resolveria o problema em apenas três meses.
Ambas treinavam sem intenção de competir, mas Lucas Sinóia sabia que tinha ali duas campeãs por lapidar.
Instinto de pugilista.
“Achava que o boxe era porrada” – afirma Alcinda. Mas hoje já sabe que “boxe não é porrada”. Não tivesse ela percebido a diferença e não teria sido campeã.
Rady, por seu turno, emagreceu mas não desistiu do boxe. Continuou a treinar. Usando uma figura corrente no desporto, “o bichinho já lhe entrara”. Felizmente para Lucas Sinóia. Felizmente para Moçambique.
Começa aqui a trajectória das pugilistas improváveis. Mais uma vez Lucas Sinóia tinha razão.
Tudo aconteceu de repente. A zona austral de África começou a ficar pequena para as duas amigas. África também. Em 2015, nos Jogos Africanos de Brazzaville, Rady demonstrou isso mesmo ao voltar com uma medalha. Outras se seguiram.
No ano passado foram os Jogos Olímpicos de Tóquio. A Arena Kukugikhan, um templo de sumô adaptado para acolher os combates de boxe dos Jogos Olímpicos, ficou ainda mais sombrio e lúgubre com o afastamento das duas mesmo à beira das medalhas.
Ali elas se tinham uma à outra. Como sempre se tiveram. Quando uma combatia a outra incentivava. Abraçavam-se e choravam no ombro uma da outra.
Foi assim também em Istambul. Como se ali, no estreito de Bósforo, estivesse o caminho da felicidade. E estava.
Obrigado Alcinda. Obrigado Rady.
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