Há 15 meses, o regresso do filho pródigo fez sonhar os adeptos do Manchester United, mas os últimos meses têm mostrado tudo menos um conto de fadas. A partir deste domingo o divórcio parece inevitável e ficam apenas memórias infelizes.
Os últimos acontecimentos esticaram ao máximo a fina corda que vai mantendo Cristiano Ronaldo e Manchester United… ainda unidos.
Numa altura em que a tempestade parecia ter passado, o português regressou ao grupo, marcou um golo, foi três vezes titular e até utilizou a braçadeira de capitão num desses jogos, Ronaldo concedeu uma entrevista explosiva ao jornalista Piers Morgan.
O divórcio parece agora irreversível, até pela forma como o avançado atacou tudo e todos: criticou o clube (que não evoluiu nada nos últimos doze anos), criticou Ten Hag (que não consegue respeitar) e criticou até nomes históricos (como Rooney, que têm inveja dele).
Depois disto parece ficar pouco espaço a uma nova conciliação.
A cada dia que passa, acentua-se a convicção de que o destino de uma das maiores lendas da história do futebol é o de caminhar separado da equipa onde se tornou no melhor jogador do planeta e à qual regressou há 15 meses, e debaixo de enorme expectativa.
AGOSTO DE 2021 – Os rumores de uma possível saída de Cristiano Ronaldo da Juventus adensaram-se ao longo do Verão. Na imprensa foram surgindo informações contraditórias, algumas alimentadas por quem estava diariamente com o avançado. A 21 de Agosto, Massimiliano Allegri, treinador dos Bianconeri, garantia que o português lhe tinha dito que pretendia continuar no clube; seis dias depois, o mesmo Allegri confirmava a intenção de Ronaldo de sair do clube. À data, Jorge Mendes já tinha estado em Turim para agilizar a transferência do internacional português para Manchester. O outro, o City. Pep Guardiola não confirmou a possibilidade, mas não a negou. “O Cristiano é dos poucos que pode escolher onde jogar”, chegou a dizer o treinador do citizens. Horas depois o suspense chegou ao fim: o Manchester United tinha entrado em cena, acenando-lhe com as mesmas condições (financeiras, claro está) do rival, mais a ligação sentimental. Pouco depois das 15:00horas de 27 de Agosto, o regresso do filho pródigo ao Manchester United 12 anos era oficial.
2021/22 HORRIBILIS DO MANCHESTER UNITED
Para fora, tudo foi feito para que Cristiano se sentisse cómodo como naqueles seis anos entre 2003 e 2009. O 7, que até pertencia a Cavani, foi-lhe entregue e nos primeiros tempos a veia goleadora manteve-se intacta, com quatro golos nos quatro primeiros jogos.
Na imprensa iam surgindo rumores de desconforto: de que Ronaldo e a família tinham deixado uma luxuosa mansão nos arredores de Manchester devido ao barulho das… ovelhas; do descontentamento de Cavani. Nada que pudesse mexer com o rendimento de CR7 em campo, ele que em Setembro foi logo eleito o jogador do mês na Premier League.
Cristiano Ronaldo já saberia que o Manchester United estava longe da equipa que fora na sua primeira passagem sob o comando de Sir Alex Ferguson. Mas acreditaria que, com ele, pudesse voltar a recuperar a força perdida na última década. Não aconteceu. Solskjaer foi demitido em Novembro e substituído por Ralf Rangnick, que não fez melhor do que o antecessor.
Em Janeiro começaram a surgir os primeiros sinais de que o relacionamento entre CR7 e o treinador alemão estava longe de ser o mais saudável. Após ser substituído no jogo com o Brentford reagiu com notória insatisfação e não esperou por um momento mais recatado para questionar o técnico sobre o motivo de uma opção técnica que para ele era incompreensível. “Não sei se o Ronaldo está feliz em Manchester, não lhe perguntei”, disse Rangnick semanas depois, alimentando a ideia, cada vez mais óbvia, de uma divisão.
ABRIL DE 2022 – ACUSAÇÃO DE AGRESSÃO A UM ADEPTO E MORTE DE UM DOS FILHOS QUE ESPERAVA
Em Março, o Manchester United estava já a 20 pontos no líder Manchester City e fora da Taça da Liga inglesa, Taça de Inglaterra e da Liga dos Campeões. A recta final da época foi penosa. A 9 de Abril, o avançado português protagonizou um episódio polémico, quando após a derrota com o Everton descarregou a fúria num jovem adepto: deu-lhe uma palmada na mão e partiu-lhe o telemóvel. A Polícia abriu uma investigação e a Federação inglesa, cinco meses depois de ter feito o mesmo, acusou Ronaldo de conduta imprópria e/ou violenta. Esse não foi, porém, o pior momento de Cristiano em Abril. A 18 de Abril foi comunicado que um dos filhos gémeos que esperava com a companheira Georgina Rodríguez não resistiu. O futebol inglês uniu-se no apoio ao português.
VERÃO DE 2022 – O INÍCIO DE UMA NOVELA SEM FIM
Ainda antes do Verão, Erik ten Hag e Ronaldo foram trocando elogios públicos: o técnico neerlandês chamava-lhe “gigante”, o português dizia-se contente e entusiasmado e garantia estar feliz no Manchester United.
No final de Junho começavam a surgir notícias a dar conta da insatisfação de Cristiano relativamente à abordagem do clube ao mercado: muitos jogadores a saírem e ninguém a entrar. Enquanto isso, Jorge Mendes desdobrava-se em contactos com potenciais interessados em acolher o jogador, com Chelsea e Nápoles à cabeça, e no início de Julho o jogador pediu mesmo ao clube para o deixar sair caso surgisse uma proposta de um clube que ia jogar a Champions. Falar-se-ia também de Sporting, Atlético Madrid, Bayern Munique, Barcelona, Roma e uma outra vinda da Arábia Saudita: 250 milhões de euros em salários, 125 por cada temporada.
4 DE JULHO – CR7 FALHA A CHAMADA
Cristiano Ronaldo não se apresentou na data prevista para o regresso aos treinos na segunda-feira. “Motivos familiares”, invocou, sem saber ainda quando se juntaria à equipa. O português explicou agora na entrevista a Piers Morgan que a filha recém-nascida teve de ser internada em Julho, com três meses de vida. Por isso acusou o clube de falta de “empatia” e garantiu até que houve directores que duvidaram da palavra dele. O que o fez sentir-se “magoado”.
De volta ao início da época, Ten Hag insistia que o jogador entrava nos planos para a nova época. As semanas passaram e Ronaldo continuou sem apresentar-se. Até que a 26 de Julho, na recta final da pré-temporada, o avançado chegou, 22 dias depois do previsto, ao centro de treinos do Manchester United acompanhado pelo empresário Jorge Mendes.
32 DE JULHO – O “REI” VOLTOU… COM POLÉMICA
“Domingo o rei joga”, escreveu nas redes sociais a 29 de Julho, uma sexta-feira, dois dias antes de um particular com o Rayo Vallecano. Ronaldo jogou, fez 45 minutos e foi visto a deixar Old Trafford quando ainda faltavam dez minutos para o final do jogo. Não foi o único. “Inaceitável, para todos”, disparou dias depois Ten Hag.
AGOSTO – A PERDA DE ESPAÇO
Aquém dos índices físicos exigidos, CR7 foi suplente no primeiro jogo oficial da época. Entrou aos 53 minutos na derrota caseira dos Red Devils com o Brighton. “Ronaldo já estará melhor na próxima semana”, respondeu Ten Hag logo a seguir ao jogo. Na partida seguinte, o avançado foi titular: esteve em campo os 90 minutos na humilhante derrota por 4-0 diante do Brentford.
16 DE AGOSTO – A PROMESSA (AINDA) POR CUMPRIR
Num comentário a uma publicação numa página de fãs no Instagram, Cristiano promete esclarecimentos para breve. “Saberão a verdade quando der a entrevista, daqui a umas semanas. Os media só dizem mentiras. Tenho um livro de notas e nos últimos meses, das 100 que fizeram, só acertaram cinco. Imaginem como são as coisas”.
22 DE AGOSTO – DE INDISCUTÍVEL A HABITUAL SUPLENTE
Tudo apontava para uma derrota cabal do Manchester United na recepção ao Liverpool, mas os Red Devils contrariaram a lógica e bateram o maior rival por 2-1. Cristiano Ronaldo começou no banco e só entrou aos 86 minutos. Nunca tinha jogado tão pouco num jogo para o campeonato em mais de 20 anos de carreira.
A partir daqui, o estatuto de CR7 transforma-se: é suplente nos três jogos seguintes e só se estreia a marcar já depois do fecho do mercado, num jogo da Liga Europa com os moldavos do Sheriff a 15 de Setembro. Entretanto, Ten Hag continuava a falar de um Cristiano Ronaldo “totalmente comprometido com o projeto», isto já depois de ter garantido que o português teria um papel importante na equipa.
3 DE OUTUBRO – DE FOR A CONTRA O MANCHESTER CITY… POR RESPEITO
No campo, a ideia que passava era diametralmente oposta: o papel do avançado na equipa parecia cada vez mais residual. Prova disso foi o facto de não ter saído sequer do banco de suplentes na derrota pesada por 6-3 com o Manchester City, num jogo em que ao intervalo o placard já assinava um 4-0: “Não o meti porque estávamos a perder 4-0 e seria uma falta de respeito pelo Cristiano e pela sua grande carreira”, justificou o treinador.
Ten Hag assumia que Ronaldo ficava zangado quando não jogava, mas garantia não o ver infeliz. “Está feliz, a treinar bem e a desfrutar.» Há dias, depois de CR7 se ter estreado a marcar na presente edição da Premier League, o técnico dizia que o jogador estava a melhorar, mas identificou aquilo que entendia ser a base dos problemas de afirmação nestes primeiros meses de temporada. “No início era um caso de falta de forma física, o que prova, mais uma vez, que ninguém pode falhar a pré-época”, apontou.
16 DE OUTUBRO – NOVO SINAL DE DESAGRADO
Na recepção ao Newcastle, Ronaldo foi titular apenas pela segunda vez – primeira em mais de dois meses – em 2022/23 em jogos da Premier League. Aos 71 minutos, com 0-0 no marcador, Erik ten Hag tirou-o do jogo para fazer entrar Marcus Rashford. Foi a única substituição que fez nessa tarde. “Precisas de ganhar o jogo”, desabafou enquanto deixava o relvado. O resto? Palavras de reprodução desaconselhável.
19 de outubro – A CORDA MAIS ESTICADA DO QUE NUNCA
Depois da titularidade diante do Newcastle (0-0), Ronaldo caiu das opções iniciais na recepção ao Tottenham. Aos 89 minutos, quando o Manchester United vencia por 2-0, chamou a atenção de todos, quando se levantou do banco de suplentes e encaminhou-se para o túnel de acesso aos balneários. Pelo caminho, deu dois toques na bola, passou entre colegas que estavam a aquecer e saiu de cena, indiferente às solicitações dos adeptos à boca do túnel. O triunfo dos Red Devils diante de uma das equipas mais fortes da ilha tornou-se secundário. Ten Hag prometeu lidar com a situação no dia seguinte.
20 DE OUTUBRO – O “DAY AFTER”
No dia seguinte, o Manchester United informou num curto comunicado que o português estava fora do próximo jogo, mais um contra um dos principais adversários. “Cristiano Ronaldo não vai fazer parte da equipa do Manchester United para o jogo da Premier League deste sábado contra o Chelsea. O resto da equipa está totalmente focada na preparação desta jornada”.
Na habitual conferência de imprensa, Ten Hag foi um bocado mais longe. “Tenho de definir padrões e controlá-los. Depois do Rayo Vallecano [na pré-época, quando alguns jogadores deixaram o estádio mais cedo], disse-lhe que foi inaceitável. Agora foi a segunda vez e tem de haver consequências”, referiu o treinador.
Já depois disso, CR7 reagiu através de uma publicação nas redes sociais. Garantiu que o respeito que tem por colegas adversários e treinadores é o mesmo de há 20 anos e assumiu ter errado. “Por vezes, o calor do momento leva a melhor. Agora, apenas sinto que tenho de trabalhar arduamente em Carrington, apoiar os meus colegas e estar pronto para tudo em qualquer jogo. Ceder à pressão não é uma opção. Nunca foi. Isto é o Manchester United e unidos devemos permanecer. Em breve estaremos juntos”.
25 DE OUTUBRO – O REGRESSO AO GRUPO
Após um fim-de-semana a treinar sozinho, Cristiano Ronaldo foi reintegrado no plantel no regresso aos trabalhos, na terça-feira seguinte ao empate com o Chelsea. Na quinta-feira, o português voltou a jogar, foi titular e fez um golo frente ao Sheriff. Os dias cinzentos pareciam ser parte do passado.
“Continuamos juntos. Vamos, United!”, escreveu o jogador. “Foi óptimo. Ele criou oportunidades e a equipa também criou para ele. Ele precisava de um golo para pôr fim a esta fase e mais virão, estou confiante disso”, elogiou Ten Hag.
O treinador enterrou o machado de guerra e tornou Ronaldo titular nos três jogos seguintes: noventa minutos frente ao West Ham, à Real Sociedad e na pesada derrota (3-1) com o Aston Villa, um jogo no qual o português até foi promovido a capitão da equipa. Pelo meio mais elogios de Ten Hag.
“Estamos felizes porque ele está de volta, é um jogador importante do plantel, é o nosso goleador. Espero que ele se mantenha, porque pode ser ainda mais importante e tenho a certeza de que ele pode fazer isso”, referiu.
10 DE NOVEMBRO – OUTRA VEZ DE FOR A E A ENTREVISTA EXPLOSIVA
Cinco dias depois, a 10 de Novembro, o Manchester United volta a defrontar o Aston Villa e desta vez vence por 4-2, para a Taça da Liga. A diferença é que Ronaldo não foi convocado para o jogo. Supostamente, adiantou o clube, por estar doente. Neste domingo, frente ao Fulham, o United volta a vencer, agora o Fulham, e Ronaldo continua de fora. Ainda por lesão.
À noite são libertados os primeiros excertos de uma entrevista explosiva do português a Piers Morgan. Entre outras coisas diz que não tem respeito pelo treinador Ten Hag e que se sentiu traído.
“Forçaram a minha saída. Não só o treinador [Ten Hag], mas também duas ou três pessoas à volta do clube. Senti que algumas pessoas não me queriam no Man United, não só este ano, mas também na última época”. (Mai Futebol)