ANTES mesmo de continuarmos, sequencialmente, a narrar a presença de Moçambique em Jogos Olímpicos, o post scriptum da última carta ao Barão suscita uma explicação adicional: Pierre de Coubertin nasceu em Paris e morreu em Genebra, na Suíça. Foi enterrado em Lausanne, onde actualmente se encontra a sede do Comité Olímpico Internacional, mas o seu coração foi sepultado separadamente na grega e emblemática Olímpia. É ali onde também reclamamos que esteja o do nosso Marcelino Macome. E enquanto o Pierre apara o seu farfalhudo bigode aristocrático e pensa no assunto, vamos voltar ao trilho das nossas Cartas ao Barão…
A participação de Moçambique nos Jogos de Los Angels, em 1984, irritou alguns círculos diplomáticos soviéticos, que no gesto interpretaram uma viragem política do país mais para o ocidente. Mas, o Presidente Samora Machel tinha ideias próprias e gostava de as vincar, bem ao seu estilo. Aliás, uma maneira bastante representativa de o demonstrar e de se posicionar na chamada Guerra Fria foi a assinatura dos Acordos de Nkomati, nesse mesmo ano de 1984, que muito claramente condicionaram o deliberado apoio militar do regime do “apartheid” à Renamo.
Por isso, foi sem grande espanto que Moçambique se juntou a outras 139 nações em Los Angels, transformando a capital mundial do cinema também num verdadeiro santuário de Olimpo e palco de um verdadeiro “show” de tecnologia, sendo o ponto mais alto o momento em que um homem sobrevoa, literalmente, o Estádio Coliseum, impulsionado por uma mochila a jacto preso nas costas.
E se nos Jogos Olímpicos de Moscovo se havia batido o recorde de ausências, nos de Los Angels ocorreria precisamente o inverso, apesar da vingança dos soviéticos que, juntamente com outros países do bloco socialista – Cuba, de Fidel Castro, incluída – não responderam ao apelo olímpico e deixaram-se enredar pelas querelas políticas do momento e na retaliação ao boicote de Jimmy Carter aos jogos de Misha.
Facto curioso foi o retorno da China ao convívio olímpico, depois de uma ausência de 32 anos. Propositadamente ou não, o gigante asiático fez coincidir o seu regresso aos fervorosos jogos na terra do Tio Sam que, claramente, faziam alarde a exacerbados hábitos consumistas, indiscutivelmente potenciados pelo fenómeno Michael Jackson. Mais tarde, nos Jogos Olímpicos de Beijing, em 2008, se perceberia a razão…
Tal como se esperava de Los Angels, sem os eternos rivais soviéticos, os americanos dominaram claramente estes jogos, conquistando um total de 174 medalhas, quase o triplo da segunda nação colocada no quadro, a Roménia, de Nicolai Ceacescu, que, estranhamente, não havia correspondido ao apelo dos seus tradicionais aliados, a União Soviética.
Pela primeira vez na história, a organização de uma edição de Jogos Olímpicos permitia a entrada de capitais privados, tendo sido também a primeira vez que um trajecto da tocha olímpica – 19 quilómetros – foi inteiramente comercializado e uma piscina olímpica construída com fundos privados, no caso a McDonald’s, uma famosa rede de “fast food”.
Moçambique esteve representado com uma delegação de 12 atletas, tendo como porta-estandarte o grande Daniel Firmino. É sobre eles, e também sobre o Carl Lewis, que vamos discorrer na próxima carta ao Barão…
PS – Parece que os franceses, de repente, viraram à esquerda e tiraram o rebuçado da boca de Marine Le Pen. Ainda bem, corríamos o risco de ter uns jogos como os de Berlim, em 1936, com Adolf Hitler no palanque e Jesse Owens a fazer caretas ao fuher…