DEPOIS de deixar aqueles dois “voyeurs” norte-coreanos com os olhos ainda mais enviesados (lembram-se da carta passada?), Lurdes Mutola seguiu para os Estados Unidos da América nesse mesmo ano de 1988, fixando-se em Eugene ao abrigo de uma bolsa da Solidariedade Olímpica, mas ainda assim só depois de um aquiescer apreensivo de João Mutola, o pai, e de Marcelino dos Santos, o outro pai. Ali, no Estado de Oregon, Lurdes ganhou maturação, e quando foi de seguir para os Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, já mais não era a mocinha de 16 anos de Seul, mas uma adolescente que viajava dos Estados Unidos para Barcelona em animada cavaqueira com Michael Jordan, Magic Johnson, Karl Malone…
A cidade que mais venera os pintores Pablo Picasso e Joan Miró teria outros astros para reverenciar. Pela primeira vez, em Barcelona, as celebridades da NBA marcavam presença em jogos olímpicos e a equipa dos Estados Unidos da América ganharia o título invicta, mas, mais do que isso, sem perder nenhum dos quatro tempos em cada um dos jogos que disputou, os quais sempre superou os seus adversários por mais de 32 pontos.
Voltando à correspondência entre o “dream team” – equipa de sonho – e uma adolescente de 20 anos oriunda de um populoso bairro suburbano de Maputo. É que o pré-olímpico para Barcelona foi disputado precisamente em Oregon, onde Lurdes Mutola se estabelecera. Mais precisamente em Portland, os Estados Unidos venceram todas as seis partidas de apuramento ao torneio olímpico por números verdadeiramente obscenos: 139-57 para Cuba, 105-61 diante do Canadá, 112-52 ao Panamá, 128-87 perante a Argentina, 119-81 aos porto-riquenhos e, na final, diante da Venezuela, outros indecorosos 127-80.
Por isso, aquela aeronave que transportou os “dream team” para a Catalunha era mais importante que o “Air Force One”, o avião que tradicionalmente transporta os presidentes norte-americanos. Querem saber? Para além dos anunciados acima, o Jordan, o Magic Johnson e o Malone, também faziam parte deste vulcão de equipa o Larry Bird, o Scottie Pippen, o Clarles Barkley, o Patrick Ewing, enfim, uma constelação de estrelas, os companheiros de viagem da nossa Lurdes Mutola, na sua segunda presença em jogos olímpicos.
Como se disse algures nesta mesma carta ao Pierre, Lurdes Mutola vivia e treinava-se já nos Estados Unidos da América desde que enfeitiçara os Kim, pai e filho, nos jogos de 1988. Nos anos que antecederam esta sua segunda aparição olímpica, Lurdes ganhou, em 1990, o Meeting de Springfield nos 5000 metros, uma distância atípica para a nossa menina e falhou o pódio nos Campeonatos Mundiais de Atletismo de Tóquio, em 1991, quedando-se em quarto lugar na corrida dos 800 metros.
Mas seria em 1992, precisamente o ano das olimpíadas, que Lurdes Mutola venceria o seu primeiro grande evento internacional na distância que lhe é muito confortável, os 800 metros. Foi em Cuba, terra daquela que depois seria uma grande amiga da atleta moçambicana, Ana Fidelia Quirot, conquistando sem muito alarido o Meeting de Havana. Nos Jogos Olímpicos de Barcelona, nesse mesmo ano, Lurdes Mutola melhorou a sua prestação de Seul, desta feita ficando em quinto lugar na classificação dos 800 metros, mas ainda disputaria a prova dos 1500 metros, impelida pelo tempo conquistado na final da sua distância predilecta, ficando em nono lugar.
Entrementes, de Seul a Barcelona, os sinais deixados pela filha de João Mutola, um humilde operário dos Caminhos de Ferro de Moçambique, indiciavam a campeã que assomava, desembaraçadamente, como iremos ver em Atlanta…
PS: Caro amigo Pierre! É mesmo verdade que o Kylian Mbappé bandeou-se para a Espanha? E nós que o queríamos em Paris para um autógrafo sem máscara…
