ALMIRO SANTOS, em Paris
Contrastando com a algazarra dos americanos, Letsile Tebogo, um atleta que chegava do Botswana compenetrado nos seus objectivos, aterrou em Paris despercebido, sem as luzes dos holofotes que iluminaram os espalhafatosos atletas americanos, habituados a atrair sobre si mesmos as atenções de todo o mundo.
Noah Lyles, o velocista norte-americano que já tinha escavado ouro nos 100 metros, a prova do nosso menino Steven Sabino, esbracejava e esperneava em alongamentos exagerados e exibicionistas, enquanto que o atleta do Botswana se concentrava para a final dos 200 metros, em silêncio e sem os espalhatos dos seus adversários.
A verdade é que os americanos eram favoritos para aquela prova dos 200 metros, se calhar por isso mesmo tenham feito o que normalmente fazem quando são chamados a ocupar a pista, berrando, bufando e espumando pela pista do Stade de France, perante a serenidade de um miúdo de 21 anos, imperturbável, que contra todas as previsões esmagou o favoritismo dos exibicionistas norte-americanos e se tornou no primeiro campeão olímpico do Botswana, tal como Lurdes Mutola o foi para Moçambique há 24 anos, em Sydney.
Pouco depois deste feito inédito, Letsile Tebogo, com lágrimas a assomarem do seu rosto grave e sofrido, mas igualmente juvenil, dedicava o triunfo à mãe, que morreu em Maio deste ano e por ela ingressou no atletismo para ter comida na mesa, sacrificando a sua paixão pelo futebol.
Em tudo, faz lembrar a história do jamaicano Usain Bolt, mas vamos continuar a narrar a corrida final dos 200 metros, até porque saborosa para os moçambicanos, à falta de alguma medalha para celebrar…
Kenneth Bednarek, o outro americano exibicionista, foi segundo e Noah Lyles, que por essa altura já não andava tão saltitante quanto do início, acabou esgotado em terceiro lugar, sendo amparado por médicos e saindo da pista numa cadeira de rodas, sinal de que havia alguma coisa mais do que a derrota diante de um africano, o que foi confirmado minutos depois pela federação norte-americana de atletismo: Lyles tinha testado positivo para a Covid-19!
A Estação África, ali mesmo ao lado do Stade de France, onde os americanos lambiam as feridas, rejubilou com o facto de o ouro dos 200 metros viajar para Botswana, de Letsile Tebogo, que muito discretamente revirava os holofotes dos americanos para um humilde africano nascido em Kanye, no Sul do Botswana, perto da fronteira com a África do Sul.
Os americanos, mais preocupados com o seu umbigo, pagaram caro o facto de terem ignorado os sinais: em 2021 Letsile Tebogo foi campeão mundial de Sub-20 nos 100 metros e prata nos 200, dose que foi repetida no ano seguinte; em 2022, com apenas 19 anos, sagrou-se campeão africano nos 200 metros, o mais jovem de sempre; há um ano, nos campeonatos de Budapeste, na Hungria, foi vice-campeão mundial dos 100 metros, atrás de Lyles, e bronze nos 200 metros, onde o exibicionista americano também foi campeão….
Com todo este currículo, então por que razão Tebogo não foi tido pelos americanos? Se calhar porque acharam ridículo o facto de Letsile ter recebido duas vacas depois das duas medalhas que conquistou nos “Mundiais” de 2023…