Quem já teve a oportunidade de estar numa província como Manica, Nampula, sobretudo na cidade de Nacala, Cabo Delgado e Niassa, a acompanhar um jogo de futebol, sobretudo do Moçambola, sabe como as pessoas desses pontos vivem o espectáculo nas bancadas. Receber equipas de outros pontos “cria horizontes” aos adeptos, imaginando-se em Camp Nou, Santiago Bernabéu, Etihad Stadium, Old Trafford, Emirates Stadium, com eles na pele de Barcelona, Real Madrid, City, Liverpool, United, Arsenal, entre outros gigantes. O entusiasmo nesses cantos é difícil de descrever, que só nativos sentem.
O seu apoio às suas equipas instigam ira aos jogadores, hostilizando os adversários, e é verdade que nesses despiques os árbitros ficam impedidos de levar às quatro linhas a desculpa de que “o erro é humano”. De igual modo, é inadmissível que as suas equipas sejam derrotas, principalmente em seu terreno, um facto que coloca, à partida, os jogadores e treinadores numa difícil missão, que é representar os emblemas dessas regiões.
Vivi, não poucas vezes, os escassos momentos que os forasteiros passeiam a sua classe por lá, mas é um facto que, invariavelmente, esses visitantes sofrem bloqueios psicológicos momentâneos durante o jogo.
Em alguns recintos, os bancos de suplentes estão muito próximos às redes de vedação, e nem a segurança contratada encontra melhores formas de impedir que os técnicos e suplentes das equipas visitantes não sejam importunados pelos adeptos durante o tempo que decorrer o jogo.
Há também situações em que as equipas visitantes passam por vaias desde altura que saem do autocarro que os transporta, passando pelos balneários até ao recinto do jogo, passando-se por cima das regras propaladas para a garantia de segurança.
Isto tudo é para lembrar que após o pontapé de saída a 17 de Maio, se não surgirem novos motivos para mais um adiamento, as equipas que se deslocarem aos pontos referidos terão de estar preparadas para enfrentar hostilidades diversas.
Embora essa característica não seja exclusiva do Moçambola (também acontece na disputa da “segundona”, a começar pelos “provinciais”), concentrei-me sobremaneira ao Campeonato Nacional da I Divisão, disputado no sistema clássico “de todos contra todos, em duas voltas”.
Para uns, o modelo, que é maioritariamente defendido por equipas de “top” do Moçambola, une, futebolisticamente, o país de Norte a Sul, como do Zumbo ao Índico, ignorando por completo as consequências negativas da sua implementação, sobretudo pela incompatibilidade financeira para o suster.
De humor aguçado, Arnaldo Salvado, director desportivo da Federação Moçambicana de Futebol (LMF), declarou que os clubes querem continuar nesse figurino competitivo porque gostam de viajar de avião. E como se sabe, o arranque tardio da prova-mãe deveu-se essencialmente à indisponibilidade da companhia aérea em prover os seus serviços no período desejado. Aliás, está provado que sem a mesma não haverá qualquer possibilidade de um Campeonato Nacional clássico.
E presentemente não se pode descurar do prolongamento da crise e inviabilizar-se a vontade de muitos adeptos receberem, da maneira desejada, o seu ópio.
Vem à baila que a crise do modelo não é motivada apenas por aviões indisponíveis. Há outros elementos impostos, como a dificuldade de a maior parte dos clubes sustentar as despesas logísticas, sobretudo nas viagens, semanalmente, para conciliar com o pagamento dos salários dos profissionais, muitas vezes em clubes que não produzem receitas mínimas para responder a essas exigências.
Dirão alguns que se faça um campeonato disputado por aqueles que têm, de facto, condições, e pergunto: quantos iriam participar?
Olhando por esse lado, ao invés de continuar a aumentar o saldo negativo das contas da Liga de Futebol e dos clubes, em geral, a pequena chance dos fornecedores de serviços recuperarem os valores perdidos acho ser esta a hora de abrir os olhos e encarar a verdade, alterando o figurino.
Não falem de perda de emoção e competitividade com isso, porque nos primeiros campeonatos nacionais (a partir de 1976) iniciaram com a disputa dos “provinciais”. Eram, sem saudosismo barato, melhores que os actuais. As fases finais, que eram jogadas num determinado lugar, Maputo, mormente no Estádio da Machava, levavam muita gente ao recinto e o relato transportava as emoções fortes, descrevendo o desenrolar dos acontecimentos através das ondas electromagnéticas.
Portanto, neste momento, olhando também à extensão territorial do país, retornar ao modelo anterior não é regredir. É estratégico; é saída auspiciosa.